Representantes de movimentos populares de
todo o país em luta contra as linhas de Muito Alta
Tensão marcaram presença na conferência promovida pelo
Bloco de Esquerda, frisando que "não desistem" de lutar
por soluções alternativas que obriguem a REN a respeitar
e a protejer a saúde das populações. No final, Francisco
Louçã considerou que este novo movimento é "a melhor
prova da democracia" ao colocar em sentido uma empresa
que "acha que os lucros dos seus donos são mais
importantes que 10 milhões de habitantes".
A Conferência sobre Linhas
de Muito Alta Tensão promovida pelo Bloco de Esquerda e
que decorreu este sábado na Faculdade de Letras de
Lisboa, juntou mais de 120 pessoas, entre elas
profissionais de saúde, autarcas, responsáveis políticos
e membros de comissões de moradores dos concelhos
afectados.
No primeiro painel, António Bastos
Leite, da Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto, frisou que apesar de actualmente "não existir -
em nenhum dos estudos publicados - uma relação de
evidência causal entre as linhas de Muito Alta Tensão e
a ocorrência de doenças específicas, dado que não se
encontra um mecanismo biológico explicativo", a verdade
é que é de bom senso "aplicar o princípio da precaução",
dado que alguns estudos "indiciam associações entre a
exposição longa aos campos electromagnéticos e a maior
ocorrência de leucemia, doença de Alzheimer ou esclerose
lateral amiotrópica".
O especialista em
radiologia afirmou que, em Portugal, "a proximidade das
Linhas de Muito Alta Tensão com áreas povoadas é maior
do que no resto da Europa" e que o enterramento com uma
distância superior a cinco metros do centro da linha "é
uma solução que praticamente elimina todos os riscos
para a saúde". António Bastos Leite acrescentou ainda
que "a Lei actual está 10 anos atrasada", já que foi
publicada em 1992 e já existem estudos epidemiológicos
de 2001.
António Tavares, Coordenador do
Departamento de Saúde Ambiental do Instituto Ricardo
Jorge e autor de um estudo da Direcção Geral da Saúde
sobre linhas de muito alta tensão que ficou na gaveta
durante quatro anos, sublinhou que "as populações devem
ser integradas nas decisões" e que é necessária "mais
regulamentação e investigação", dado que "ainda é muito
grande a nossa ignorância".
No segundo painel,
com autarcas e representantes das comissões de oradores
afectadas pela Alta Tensão, José Sá Fernandes considerou
que os estudos de impacte ambiental promovidos pela REN
são "um atentado ao bom senso". E exemplificou com os
casos de Agualva Cacém (concelho de Sintra) em que o
estudo assumia "impactos negativos" mas que "com o
tempo, as pessoas vão-se habituando", e o da Batalha, em
que "existindo um impacto negativo significativo, como
lá vive pouca gente, não faz mal".
Sá Fernandes
defendeu a existência de alternativas, sejam elas "o
desvio das linhas ou de enterramento", chamou a atenção
para "a desvalorização das casas", e o "impacto do
ruído". E lembrou que "só o facto de se ter receio
constitui por si um risco para a saúde" e que "ninguém
pode achar que viver perto de um cabo de Muito Alta
Tensão é melhor do que viver sem ele".
Neste
painel estiveram presentes elementos das Comissões de
moradores de Sintra, Serzedelo (Guimarães), Quinta do
Pinheiro (Odivelas), Almada e Batalha, que relataram as
suas experiências de luta contra "a prepotência da REN".
Um dos casos mais gritantes é Serzedelo, dado que 80% da
freguesia está coberta com 12 Linhas de Muito Alta
Tensão, num total de 90 postes, tendo sido registados 76
casos de cancro nos últimos 10 anos. Os representantes
das populações, empenhados "na construção de um
movimento nacional que dê mais força a todos",
reafirmaram que "não desistem de lutar" e exigiram que a
REN "gaste os milhares que tem de lucro ao serviço das
populações".
Na sessão de encerramento,
o italiano Valerio Calzolaio, que foi subsecretário de
Estado do Ambiente entre 1996 e 2001 e responsável pela
Lei italiana baseada no princípio da precaução "mas que
não é aplicada", manifestou a sua solidariedade com a
luta das populações portuguesas. E frisou que, nesta
matéria, toda a precaução é pouca, dado que "as gerações
actuais têm um tempo de exposição aos campos
electromagnéticos que não tinham as anteriores
gerações".
Francisco Louçã saudou
este "movimento novo" que é "a melhor prova da
democracia" e que até já conseguiu "pequenas grandes
vitórias", como em Sintra ou em Silves. "Esta é a
primeira vez que a REN sentiu que as pessoas que estão
debaixo dos cabos têm voz", acrescentou o coordenador da
comissão política do Bloco de Esquerda.
Louçã
afirmou que "o movimento nacional que poderá ser formado
a partir de todas estas experiências de luta e que terá
sempre pessoas de diferentes partidos" contará com a
solidariedade e apoio do Bloco de Esquerda, que está
também empenhado na "mudança da lei portuguesa que não
responde aos problemas de saúde das populações".
As críticas à REN marcaram o final do discurso
de Louçã, para quem "a ideia de que a política não
inclui a responsabilidade das empresas e que a economia
não faz parte da democracia, é inaceitável". E concluiu:
"Quem manda na REN - os seus principais accionistas -
nada percebe de redes eléctricas. Os seus donos estão
apenas interessados nos lucros ao fim do mês, e a REN
considera-os mais importantes do que 10 milhões de
habitantes."
|