No seguimento das suas políticas
de esvaziamento do funcionamento democrático das escolas, o Governo colocou
recentemente à discussão pública um projecto de Decreto-Lei sobre a futura
“governação” dos estabelecimentos de ensino que, a entrar em vigor tal como
está, representa o fim da gestão democrática na escola pública portuguesa, uma
conquista de professores, alunos e funcionários no período subsequente ao golpe
militar de 25 de Abril de 1974.
Eis, muito resumidamente, o que o
ministério da Educação quer impor, em termos de gestão, à escola portuguesa.
Em primeiro lugar, pretende-se
criar um “Conselho Geral”, órgão formado por representantes de pais e
encarregados de educação, por representantes das autarquias e da comunidade
local, por representantes dos alunos, funcionários e professores, com a
particularidade destes dois últimos grupos (funcionários e professores) não
poderem ultrapassar, no seu conjunto, 50% da totalidade dos membros deste
“Conselho” e da presidência deste órgão nunca poder ser assumida por um
professor. Em matéria de poderes, compete ao “Conselho Geral”, entre várias
matérias, escolher o “Director” que irá gerir o estabelecimento de ensino por
um período de três anos.
Em segundo lugar, o diploma,
agora em discussão pública, institui a figura do “Director”, escolhido pelo
“Conselho Geral” a partir de concurso onde os candidatos serão professores,
independentemente de serem do ensino oficial, particular ou cooperativo. Das
competências atribuídas a este órgão destacam-se a elaboração do orçamento, do
projecto educativo, do regulamento interno, do plano de actividades e a
designação dos coordenadores de departamento curricular, dos coordenadores de
escola ou estabelecimento de educação pré-escolar, bem como o exercício do
poder disciplinar sobre alunos, funcionários e professores.
Em terceiro lugar, surge o
“Conselho Pedagógico” constituído pelo “Director”, que preside, e pelos
representantes dos professores, alunos e encarregados de educação, cujas
competências se restringem à função de órgão consultivo do “Director”,
portanto, sem qualquer poder decisório.
Por fim, aparece o “Conselho
Administrativo” formado pelo chefe dos serviços administrativos, pelos adjuntos
do “Director” (professores) que são designados por este para o ajudarem a gerir
a escola e pelo próprio “Director”, que preside. São funções deste órgão, entre
outras, aprovar o projecto de orçamento e elaborar o relatório de contas de
gerência.
Como facilmente se percebe pelo
articulado da proposta, o que o Governo pretende é acabar de vez com a gestão
colegial da escola, colocando em seu lugar um poder unipessoal traduzido na
figura do “Director” o qual, pelas competências que lhe são atribuídas, “mete
no bolso” o Conselho Pedagógico” que deixa de ter qualquer poder deliberativo.
Ao nomear os coordenadores de departamento curricular e ao designar os responsável
pelas estruturas de coordenação e supervisão pedagógica, até aqui eleitos pelos
docentes, o “Director” surge a presidir a um Conselho Pedagógico onde a maioria
dos membros foi designada por si, facto que retira a este órgão qualquer
autonomia de pensamento e acção. E isto será tanto mais verdade quando o exercício
dos cargos que dão assento no Conselho Pedagógico serão decisivos na progressão
da carreira dos professores onde o “Director” assume um papel decisivo em
termos de avaliação. O Objectivo do Governo parece claro: quebrar a lógica da
representatividade, substituindo-a por uma outra de subordinação hierárquica
onde a figura do “Director” será, na prática, a voz, os ouvidos e a mão que
actua do ministério da Educação dentro da escola, rodeado do “seu pessoal” que
acriticamente e passivamente o irá acompanhando até que alterações na
correlação de forças políticas a nível autárquico imponham outro “Director”.
E isto conduz-nos ao papel do
chamado “Conselho Geral” em toda esta estratégia de por fim à escola
democrática em
Portugal. Repare-se que neste órgão, com competências
fundamentais em termos da definição dos caminhos a seguir pelos
estabelecimentos de ensino, os representantes dos professores não podem ter um
peso superior a 40%, sendo-lhes vedado, inclusivamente, a sua presidência o
que, naturalmente, afastará os docentes dum papel decisivo na “direcção
estratégica da escola”. Como o funcionamento das actuais Assembleias de Escola
vem demonstrando, a tendência dum órgão desta natureza será o de não actuar
regularmente nos termos das suas competências, salvo no período em que lhe
caberá escolher o “Director”. Assim, este previsível alheamento da vida na
escola, por parte do “conselho Geral, terá como conclusão lógica um ainda maior
reforço do papel do “Director” que, nos termos do diploma legal que está em
discussão, responde pela sua acção junto daquele órgão. O espaço que não será
ocupado pelo “Conselho Geral” será necessariamente ocupado pelo “Director”.
Eis, pois, e em síntese, como se pretende pôr fim à gestão democrática
dos estabelecimentos de ensino o que, entre outras coisas, representa uma
desautorização pública do papel desempenhado pelos professores na escola e na
sociedade portuguesa, o que, de todo, esta classe não merecia.
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