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Um fim-de-semana de silêncio, mentira e hipocrisia PDF Imprimir e-mail
15-Dez-2007

O discurso da humanidade, da solidariedade e da generosidade para com África, que não deixará de ser feito, é a areia fina com que sempre nos tentam toldar a visão, ou seja, o entendimento.

No passado fim-de-semana reuniu-se em Lisboa a cimeira União Europeia (UE) - África. Nas televisões vi e ouvi representantes do governo português contentes e felizes pela iniciativa, uma vitória da diplomacia portuguesa, diziam. Nas televisões e nas rádios ouvi falar na nova era nas relações UE-África e nos chamados "Acordos de Parceria Económica".

No passado fim-de-semana ouvi falar de muita coisa, mas não do que era fundamental e urgente ouvir falar. Ouvi referir a limpeza étnica no Darfur (noroeste do Sudão), mas nada ouvi sobre o aparecimento duma vontade determinada por parte da comunidade internacional em lhe pôr fim. Ouvi falar em confrontos tribais, mas ninguém explicou como é que pastores nómadas fazem bombardeamentos aéreos. Vi e ouvi diplomatas carpir mágoas pelas mortes no Darfur, mas ninguém falou nas armas e nas balas chinesas que provocam essas mortes.

Ouvi, sobretudo, falar de Mugabe, presidente do Zimbabwe, o ditador que não respeita os direitos humanos no seu país. E, porque assim é, de facto, o Senhor Brown, primeiro-ministro inglês, resolveu, em nome dos princípios, não vir à cimeira de Lisboa para não se sentar à mesa com tão odioso ditador. No entanto, enquanto assim se comportava, o Senhor Brown recebia no seu gabinete, em espírito de fraterna união, esse "grande democrata" que é o rei da Arábia Saudita, conhecido por ser o líder duma das monarquias teocráticas mais obscurantistas e opressoras do mundo. Como se verifica, o Senhor Brown é mesmo um homem de princípios. Os mesmos princípios que regem, aliás, aqueles diplomatas zelosos defensores da liberdade, da democracia e dos direitos humanos, como é o caso do nosso ministro dos Negócios Estrangeiros que, ao mesmo tempo que criticava Mugabe, cumprimentava efusivamente Blaise Compaoré do Burkina Fasso, financiador conhecido de genocídios como os que se deram no Ruanda, na Serra Leoa, na Libéria e na Costa do Marfim, ou Omar El Bachir do Sudão, patrocinador da limpeza étnica no Darfur, ou José Eduardo dos Santos no poder em Angola desde 1979, país onde as liberdades não são respeitadas e a corrupção domina nas mais altas instâncias do governo.

Ouvi falar de África, mas não ouvi falar do "muro de Marrocos" que assinala e perpetua a dominação de Marrocos sobre o Saara Ocidental. Trata-se dum muro minado, vigiado por milhares de soldados e que é, em dimensão, sessenta vezes maior que o ex-muro de Berlim. É mais um muro da nossa vergonha como é aquele que os Estados Unidos da América estão a construir na fronteira mexicana, como é o muro na Cisjordânia ao serviço da ocupação israelita das terras palestinianas, como é o muro de arame farpado que liga Ceuta a Melilla no norte de África.

Do muro de Berlim, quando existia, todos os dias dele se falava. Entretanto, este muro caiu, e ainda bem que caiu, mas outros muros igualmente infames se ergueram. E, no entanto, sobre estes só o silêncio. O silêncio da hipocrisia. O silêncio das lágrimas de crocodilo. O silêncio dos amados princípios do Senhor Brown.

Ouvi falar de África e de Europa, de ajuda e desenvolvimento, mas não ouvi falar do que efectivamente se está a tratar nesta cimeira. É sempre a mesma poeira para os olhos dos cidadãos.

Desde 1963, com a assinatura da Convenção de Yaundé, nos Camarões, que a União Europeia, na altura CEE (Comunidade Económica Europeia), estabeleceu acordos comerciais com África com base em vantagens recíprocas para os dois continentes. A título de exemplo refira-se as vantagens tarifárias na Europa para as exportações dos países africanos e o financiamento europeu à edificação, em África, de infra estruturas e de programas de fomento agrícola. A esta convenção, e dentro deste espírito, sucederam-se as de Laomé I, na República do Togo (1975), Laomé II (1979) e de 1984 a 1995 Laomé III, IV e V. Com a criação, em 1995, da OMC (Organização Mundial do Comércio), um dos instrumentos da política neoliberal, entretanto emergente, a Europa passou a impor a África a política que melhor servia os interesses do capitalismo europeu e mundial nesta sua fase fortemente predadora.

As vantagens tarifárias para os produtos africanos desapareceram e a solidariedade também. A livre concorrência entre economias tão diferentes passou a ser a regra, com todos os efeitos negativos daí decorrentes para o continente africano. Assim, o que interessa hoje às empresas europeias é terem a possibilidade de investir em África com total liberdade, o que significa condições de investimento onde não existam exigências salariais, nem legislação de protecção social aos trabalhadores, nem qualquer obrigação de defesa do ambiente. Foi, pois, para garantir tudo isto que, em Lisboa, a presidência portuguesa da União Europeia juntou os representantes dos países do continente africano.

O discurso da humanidade, da solidariedade e da generosidade para com África, que não deixará de ser feito, é a areia fina com que sempre nos tentam toldar a visão, ou seja, o entendimento.
 
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