Página Inicial
Notícias
Opinião
Autarquias
Documentos
Foto Galeria
BEja no Facebook
Newsletters
Newsletter do BEja






Adere ao Bloco
Adere ao Bloco 
Sites do Bloco
Site do BE
Site do Grupo Parlamentar
Site do Grupo Parlamentar Europeu
Site do BE nas Autarquias

Tiro pela Culatra? PDF Imprimir e-mail
18-Dez-2007
Por ironia dum destino cruel, Paulo Portas já não é ministro do Mar nem da Defesa. Em 2002, um milagre de Fátima tirou-lhe a hipótese de combater a maré negra do Prestige; em 2004, deu uma amostra da sua raça ao enviar a Marinha contra o barco das Women on Waves – ganhou a “batalha naval” mas perdeu a guerra no referendo ao aborto, o acontecimento deste ano de 2007. E ontem perdeu a oportunidade histórica de demonstrar todo o seu génio militar no combate aos 23 mouros que invadiram a Culatra, oriundos de Marrocos – qual quinta-coluna dos infiéis, projectando a reconquista da Península para aqui restaurar o Al-Andaluz… e o Al-Gharb.

Mas afinal quem são estes invasores? Um grupo de 23 cidadãos marroquinos, entre os quais cinco mulheres, que chegaram a terra cheios de fome, sede e frio… Alguns ainda encontraram forças para tentar uma fuga para a liberdade no deserto da Culatra, incluindo uma jovem de 15 anos que acabou por ser conduzida ao Hospital de Faro, acompanhada dum colega com sintomas de hipotermia. Perante este quadro, é difícil evitar o vómito ao ouvir esse campeão da demagogia chorar lágrimas de crocodilo sobre “os dramas humanos” destes náufragos que andaram quatro dias à deriva para, logo a seguir, reclamar “a máxima firmeza contra a imigração ilegal”. Um tiro pela culatra?

Os próprios responsáveis da Marinha e o Director Regional do SEF reconheceram: “tudo indica que Portugal não fosse o destino inicial” destes imigrantes que, no entanto, hoje vão a tribunal como se fossem criminosos. Independentemente dos ventos e tempestades que os desviaram da rota provável para além do estreito de Gibraltar, este episódio tem o mérito de confrontar a sociedade portuguesa com o drama da imigração ilegal, agora por via marítima; quanto às fronteiras terrestres, há muito que a realidade nua e crua é uma política de portas fechadas e janelas escancaradas. Contam-se por largas centenas os imigrantes africanos que chegam até nós, vindos do sul de Espanha, depois de ultrapassarem o Cabo Bojador, em pirogas bem mais frágeis que as caravelas do século XV…

As causas desta autêntica epopeia são conhecidas: a desesperança de vida em África cresce quase na proporção directa das necessidades de mão-de-obra barata nos mercados europeus. Enquanto um visto legal para a Europa custa 4 mil euros e um tempo médio de espera de um ano, uma passagem de piroga custa 150 euros, como afirmava um participante senegalês na recente Cimeira Alternativa Europa-África. Quem já nada tem a perder arrisca, mesmo se a probabilidade de ficar sepultado no fundo do oceano rondou os 20% em 2006 – bem inferior à hipótese de arranjar trabalho ilegal.

Suprema hipocrisia: depois de as autoridades expulsarem uns quantos imigrantes para as televisões, a grande maioria sai das Canárias e é abandonada em estações de comboio de Sevilha, Madrid ou Barcelona; tal e qual o que acontece em Itália, com milhares de imigrantes transportados da ilha de Lampedusa para o continente, com a recomendação expressa para “abandonarem o país”… que toda a gente sabe que ninguém vai cumprir! A própria lógica de mercado, tão incensada pelos governos neoliberais, assim o determina nesta Europa que precisa da mão-de-obra imigrante como pão para a boca, até para combater a crise demográfica e sustentar os sistemas de segurança social. A escolha é apenas uma: imigração ilegal e mercado negro, a coberto da hipocrisia dos governos, ou abertura de canais acessíveis e expeditos de imigração legal e com direitos.

A outra face desta moeda, essa sim dramática, é a sangria permanente das riquezas de África: não só o saque continuado das matérias-primas e o desastre ambiental provocado pelas transnacionais, mas sobretudo a perda dos melhores recursos humanos que procuram emigrar, por todos os meios. A inversão deste estado de coisas, de forma a permitir o regresso de quadros e recursos acumulados na diáspora, é uma empreitada de longa duração que não será bem sucedida se os povos africanos ficarem à espera das dádivas neocoloniais. Assim ficou demonstrado na recente Cimeira de Lisboa, face à tentativa de imposição dos EPA ou APE – acordos de parceria económica – das potências europeias com agrupamentos forçados de Estados africanos, ao pior estilo da Conferência de Berlim de 1884/85 – imposição recusada por Estados da dimensão da África do Sul, Nigéria ou Senegal.

Propaganda socrática à parte, a solidariedade entre africanos e europeus não passa pelos governos e exige, no caso da Culatra, que os náufragos marroquinos sejam protegidos como vítimas de tráfico humano.

Neste “Natal dos Tristes”, o Zeca dedicar-lhes-ia, certamente, “Os Índios da Meia-Praia”.

Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 18/12/2007

 
< Artigo anterior   Artigo seguinte >
Destaques
VIII Convenção 
  Debate Aberto
Novo cartaz do Bloco
Campanhas

Cortem na Divida não nos Salários

Privatização é o fim da linha 

 

Novo folheto dos Jovens do Bloco
Jornal gratuito - Ler em pdf
Revista Vírus n1
Plataformas
Site Esquerda
Vídeos do Bloco
© 2024 Site Distrital de Beja - Bloco de Esquerda
Joomla! is Free Software released under the GNU/GPL License.