Com pompa e circunstância, José Sócrates
veio a Beja, acompanhado do ministro Mário Lino, para anunciar a terceira data
de adjudicação das obras do IP 8, que ligará Sines a Beja e a Vila Verde de
Ficalho. Outubro de 2008, “desta vez é que é”! Na sua intervenção, o
primeiro-ministro justificou a obra como “um imperativo nacional” mas,
sobretudo, pelos investimentos privados “previstos e pensados” para o porto de
Sines e pela sua complementaridade com os outros vértices do “triângulo
estratégico”: Alqueva e o Aeroporto de Beja, cujas obras foram visitadas por
Mário Lino.
Em várias declarações, Sócrates insistiu
sobre um ponto: o IP8, entre Sines e Beja, terá “perfil de auto-estrada”, isto
é, vai ter portagens – o que está
longe de ser um pormenor, pelas suas várias implicações. Sines, o maior e melhor
porto de águas profundas da costa portuguesa, com valências industriais e de
carga e um enorme potencial de crescimento que o torna apetecível a
investimentos transnacionais, não tem impacto meramente regional, pois vai
servir um vasto “interland” que pode e deve ir muito além da fronteira,
estendendo-se à Andaluzia e Extremadura.
A construção do IP8 com quatro vias,
apenas entre Sines e Beja, revela vistas curtas em termos de planeamento
estratégico, pois fica a meio do caminho – e Beja fica exactamente a meio
caminho entre Lisboa e Sevilha, o que devia fazer pensar qualquer governante,
mesmo que não fosse o presidente em exercício da União Europeia. Se o Aeroporto
entrar em funcionamento até ao final de 2008 e tendo em conta que o IP8 só
estará concluído em 2011 (sem atrasos…), nessa data as duas vias previstas entre
Beja e Ficalho já estarão mais do que saturadas; basta ver o actual movimento de
camiões de e para Espanha, ainda sem o aeroporto nem o IP8.
A introdução de portagens, além de
questões de equidade no tratamento das regiões do interior, é outro sintoma de
vistas curtas: do lado de lá da fronteira, há centenas de quilómetros de
autovias sem portagem, nas quais se pode atravessar praticamente toda a
península. E não se trata de nenhum despesismo inútil, como a evolução
comparativa dos dois países mostra, infelizmente, ao longo das últimas décadas.
Alguns apoiantes do governo argumentam que hoje há uma estrada apenas sofrível
desde o Rosal de la
Frontera até Aracena, a meio caminho de Sevilha. Por isso
mesmo, é a altura de Portugal, para variar, tomar a iniciativa: e se o IP8
chegar à fronteira com quatro vias, lá para 2011 ou ainda mais tarde, não duvido
que a correspondente espanhola não irá tardar – como já aconteceu, aliás, na
ligação à Ponte do Guadiana e à Via do Infante, no Algarve.
O “perfil de auto-estrada”, invocado por
Sócrates, não se vai limitar ao IP8 e tem muito mais água no bico: ele está
intimamente ligado à negociata das Estradas de Portugal, transformadas em SA mas
suportadas pelo bolso dos contribuintes – o que gera dúvidas até a dirigentes do
PS, como Vera Jardim e Manuel Alegre. Além do monopólio da BRISA sobre as
auto-estradas, a privatização das EP entregará durante 75 anos, a gestão de
todas as estradas ao grupo chefiado por Vasco de Mello – é fartar vilanagem, um
autêntico retrocesso à Idade Média por via neoliberal.
A introdução das portagens no IP8 terá
consequências imediatas no bolso dos alentejanos e de todos os utentes que a
venham a utilizar. É, além do mais, uma vigarice política: Sócrates fez bandeira
da gratuitidade das SCUT, em particular das do interior, nas eleições de 2005.
Basta olharmos para a A23, que liga a A1 desde Torres Novas até à fronteira de
Vilar Formoso, passando por Castelo Branco e pela Guarda; ou, mais a Sul, a Via
do Infante, na qual nenhum governo conseguiu impor portagens. Bem sei que, na
geografia segundo Mário Lino, a Sul do Tejo é o deserto; mas não é seguro que os
“camelos” aceitem pacificamente pagar portagens.
É bom que Sócrates se aconselhe junto de
Cavaco Silva a respeito da “Maria da Ponte”. A principal motivação da primeira
grande experiência de desobediência civil em Portugal foi o sentimento de
injustiça de toda uma população; e já na altura se dizia, premonitoriamente, que
as portagens eram uma afronta não apenas à Margem Sul do Tejo, mas para todos os
transtaganos. Dada a experiência entretanto acumulada pelos movimentos sociais e
cívicos na luta contra estas outras “portagens”, é bem possível que Sócrates
venha a provar o veneno que apressou o fim do cavaquismo.
Bem, construam lá o IP8 – de frente ou de
perfil – até à fronteira. Das portagens, a seu tempo, tratarão as alentejanas e
os alentejanos – e verão que não somos assim tão lentos…
Alberto Matos – Crónica semanal na
Rádio Pax – 04/12/2007
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