No passado fim-de-semana tive oportunidade
de participar no fórum “Maintenant à Gauche”, no Caveau de la République, em
Paris. As primeiras impressões foram dum país e duma capital, bela como sempre,
mas profundamente marcada pelas greves e manifestações das últimas semanas, com
particular incidência nos transportes públicos e visível nas enormes filas de
trânsito. Os ferroviários – os bravos cheminots – foram o coração dos
protestos que alastraram a outros sectores, com destaque para a greve da função
pública. Também os estudantes da Sorbonne e outras universidades em luta contra
a política de privatização do ensino superior se travaram de velhas razões com
os flics da polícia de choque, agora às ordens de
Sarkozy.
O que surpreende (ou talvez não) é a força
e a extensão de um vasto movimento social, seis meses depois da eleição dum
Presidente trauliteiro, o mais à direita desde que De Gaulle proclamou a V
República. Cavalgando a onda do mais desbragado neoliberalismo, alinhado com os
neocons norte-americanos e com Bush nas ameaças de guerra contra o Irão,
Sarkozy disse ao que vinha ao romper com a tradicional independência da política
externa francesa e com o Estado Social paternalista modelado pela burguesia no
pós-guerra, face a um movimento operário poderoso e combativo. É claro que toda
esta agressividade social não podia passar sem resposta.
A receita é conhecida em Portugal, pela
mão do governo Sócrates: a mesma demagogia do combate aos privilégios
visa a destruição dos regimes especiais de protecção social conquistados há
décadas por categorias profissionais particularmente desgastantes, como os
ferroviários ou os mineiros. Lá como cá, na função pública e no sector privado,
o objectivo é aumentar a idade geral de reforma que em França é hoje aos 60
anos. O mundo do trabalho responde à questão dos “privilégios” colocando cima da
mesa a exigência duma justa repartição da riqueza. Questão bem oportuna quando
Sarkozy, o mesmo que chamou “escumalha” aos jovens franceses e imigrantes da
segunda geração, está a braços com escândalos dos seus amigos banqueiros e
traficantes de armas para países africanos e o ex-Presidente Chirac responde a
uma procuradora e pode vir a sentar-se no banco dos réus …
Neste clima de efervescência social,
discutiu-se a premência duma alternativa política que responda às aspirações de
mudança dos trabalhadores. Apesar de traços comuns, como o “centrão” neoliberal
entre o PS e a direita, a situação tem particularidades à esquerda que merecem a
maior atenção – ou não fosse França, há mais de dois séculos, o laboratório
político da Europa.
Depois da dispersão visível nas
presidenciais de Maio passado, há uma consciência muito forte da necessidade de
abrir novos caminhos à esquerda e começam a desenhar-se pontos de entendimento:
o primeiro é a defesa intransigente da soberania popular e do respeito pelo NÃO
do povo francês ao projecto de Constituição Europeia, o combate contra a
imposição do novo Tratado Europeu sem referendo, à revelia da própria
Constituição; a defesa das conquistas do movimento operário e dos direitos
sociais; a recusa de atrelamento a governos de gestão do neoliberalismo e o
corte com um PS que apenas critica a falta de diálogo de Sarkozy mas subscreve
todas as suas contra-reformas.
Na sala desfilaram militantes de diversas
origens políticas: socialistas, comunistas, republicanos de esquerda,
ecologistas, trotskistas, altermundialistas, todos partilhando a convicção de
que é urgente uma formação política ampla, plural e combativa, um novo
“rassemblemment à gauche” que faça renascer a esperança. Significativa a
intervenção do representante da corrente unitária do PCF: “a melhor maneira de
defender hoje o ideal comunista é ultrapassar a forma Partido Comunista e
mergulhar no seio duma formação ampla da esquerda”. Em cima da mesa estiveram
experiências da nova esquerda europeia, como o Bloco de Esquerda e o “Die Link”
alemão, resultante da fusão do ex-PDS e da esquerda do SPD representada por
Oskar Lafontaine, presidente deste novo partido que já ultrapassou os 8% a nível
nacional e os 20% em territórios da antiga RDA.
Felizmente, as aspirações de unidade e
mudança não se esgotam no Caveau de la République. Dois dias antes, num comício
com duas mil pessoas, Olivier Besancenot – o candidato à esquerda do PS mais
votado nas presidenciais – defendeu também a necessidade do novo partido
anti-capitalista. Aguardam-se novidades nos Congressos do PCF e da LCR, em
Dezembro e Janeiro próximos. E como a luta social não tem fronteiras, a 30 de
Novembro cá vamos à greve geral da função pública!
Alberto Matos – Crónica semanal na
Rádio Pax – 27/11/2007
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