Num país destes, de
“negócios da China”, não admira, pois, que tudo seja relativo e mutante,
especialmente os princípios. Aliás, num mundo em constante mudança não faria
qualquer sentido que as promessas fossem cumpridas.
1- A mesma carcaça que em Lisboa se vende a 15
cêntimos, o que representa em 2007 um aumento do preço do pão em 300 por cento,
custa em algumas zonas do interior do país apenas cinco cêntimos. Perante este
quadro, fruto duma situação de total livre concorrência, os patrões da
indústria panificadora vêm solicitar ao Estado que não fique de braços cruzados
e que intervenha no sentido de pôr ordem no mercado. Custasse o pão 15 cêntimos
em todo o território nacional e a livre concorrência bem como as "augustas"
leis do mercado seriam o melhor dos mundos. Liberalização, sim, mas só em
regime de monopólio. Eis o capitalismo português em toda a sua plenitude.
2. Para o próximo ano o Governo anuncia a
privatização da REN (Rede Eléctrica Nacional), dos CTT e das Estradas de
Portugal. E fá-lo para quê? Para alimentar a livre concorrência, o tão
propalado paraíso para os consumidores? Alguém está a ver o País a ser
atravessado por linhas de alta tensão das empresas A, B e C que, dada a
pequenez do território nacional, ainda corriam o risco de se cruzarem por cima
das nossas cabeças? Alguém imagina o aparecimento de duas ou três empresas
destinadas a distribuir a nossa correspondência? Obviamente que ninguém antevê
nada disto pela simples razão que tal nunca irá acontecer. Se as privatizações
destas empresas públicas não visam a liberalização do mercado nem instituição
da concorrência, então para que servem? A resposta parece só poder ser uma.
Para entregar sob a forma de monopólio aos privados aquilo que era monopólio do
Estado. Eis o que se chama em linguagem corrente "um negócio da
China" para os futuros donos destas empresas.
3. E "negócios da China" é o que não
faltam no país. "Negócio da China" é pedir dinheiro emprestado a uma
instituição de crédito para comprar acções dessa instituição, dando por
garantia essas mesmas acções com a certeza antecipada de que se o negócio
correr mal os juros serão perdoados. "Negócio da China" é um
administrador do Banco de Portugal decidir conceder a si próprio um empréstimo
ao mesmo tempo que fiscaliza os administradores dos outros bancos para que não
façam o mesmo. "Negócio da China" é o Governo português, em nome do
combate ao défice das contas públicas, cortar 61 milhões de euros nas
transferências de verbas para o Arquipélago da Madeira, ao mesmo tempo que
prescinde cobrar 1.760 milhões de euros devidos ao Estado pelos negócios
efectuados num só ano na Zona Franca da Madeira.
4. Num país destes, de "Negócios da
China", não admira, pois, que tudo seja relativo e mutante, especialmente
os princípios. Aliás, num mundo em constante mudança não faria qualquer sentido
que as promessas fossem cumpridas. Disse Sócrates antes das últimas eleições
para a Assembleia da República, aquelas que o alcandoraram a primeiro-ministro,
que o Tratado Constitucional Europeu era para ser referendado pelo povo
português no caso dele, Sócrates, ganhar as eleições. O PS ganhou as eleições,
o Tratado Constitucional foi assinado em Lisboa, mas Sócrates já não diz que o
mesmo vai ser referendado. Embora, segundo sondagem efectuada nos dias 21 e 22
de Outubro, pelo Centro de Estudos de Opinião da Universidade Católica, 46 por
cento dos inquiridos considere que devia haver referendo, contra 27 por cento
que acha que não, a promessa de ontem já não é para cumprir hoje. Antes da
actual sociedade da informação e do choque tecnológico talvez se chamasse
mentiroso a quem assim se comportasse. Hoje, no entanto, parece que
comportamentos deste teor são normais, pelo menos a julgar pela naturalidade
com que são aceites. E vá lá a gente dizer aos miúdos que é feio mentir.
5.
Domingo, dia 28 de Outubro, o Papa, Bento XVI, beatificou 498
"mártires" da Guerra Civil de Espanha (1936-1939), caídos do lado
franquista. Esta foi a resposta do Vaticano ao projecto de lei que em Espanha
visa reabilitar as vítimas do franquismo. Eis um aviso sério para todos os que
tenham veleidades semelhantes às dos nossos irmãos espanhóis. Que se cuidem os
que falam nas vítimas do Estado Novo, senão ainda apanham com um Salazar
beatificado.
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