Nós,
comuns mortais, não estávamos lá, nem por perto… não o permitem as boas regras
de segurança. Mas perante aquele abraço entre dois Zés – o Zé Manel de Bruxelas
e o Zé Sócrates – só seres absolutamente insensíveis podem ignorar a química
muito especial que se estabeleceu entre duas almas gémea e os fluidos
espirituais condensados no grito: “Porreiro, Pá!”. Finalmente, depois de um
Verão chocho, temos um Outono quente; depois dos empates e do murro de Scolari,
o esplendor de Portugal ecoou nos confins onde a Europa se faz Ásia; e, depois
de séculos de apagada e vil tristeza, eis a frase que acaba de entrar na
História: “Porreiro, Pá!”.
Os
“velhos do Restelo” não deixarão, contudo, de questionar as motivações íntimas
daquele abraço puro e límpido, fazendo figas para que a fortuna não deixe durar
muito o estado de felicidade bem merecido por aqueles dois seres. É ou não verdade
que ambos trabalharam arduamente pela nossa felicidade, nos últimos seis anos?
Em nome do Pacto de estabilidade, a que outros chamaram estúpido, elevaram o
IVA aos píncaros da Europa! O Zé Manel, depois do desempenho inexcedível como
mordomo na cimeira de guerra dos Açores, foi premiado com a nomeação para
Bruxelas. Mas deixou a pasta bem entregue, primeiro nas mãos de Santana que,
por sua vez, passou o testemunho a Sócrates. Depois do abraço apertado do
Parque das Nações, aumenta a expectativa pelo frente-a-frente parlamentar entre
o Pedro e o Zé, no próximo debate do orçamento! Alguém duvida que vai ser
porreiro, pá?
Afinal,
não estamos num país só de pelintras. Onde mais seria possível a um filho em
dificuldades, por azar nos negócios ou ao jogo, por devaneios próprios da idade
(apesar dos cabelos brancos), obter o perdão de 12,5 milhões de um banco, por
coincidência dirigido há muitos anos pelo seu paizinho? Deixem-se de paleios
sobre o microcrédito e o comércio justo, revejam-se neste exemplo de
solidariedade e de respeito pelos valores da família! Melhor ainda: para
ignomínia dos habituais detractores das boas famílias, provando que há homens
acima de toda a suspeita, o paizinho sacou da carteira (ou do livro de cheques
ou do cartão de crédito…) e, de um só golpe, cobriu os 12,5 milhões em dívida,
com a tranquilidade de espírito só possível ao fim de uma vida de trabalho e
que bem merece a bênção da Opus Dei. São elites destas que construíram a nossa
grei!
Mas
há outro país: o dos Zés e das Marias rascas que pouco ou nada têm, a não ser a
inveja que os rói perante o sucesso dos iluminados. Evidentemente, têm de ser
mantidos na ordem, de bico calado e cinto bem apertado, para não se meterem em
políticas e sindicatos – como os 200 mil ingratos que tentaram estragar a festa
do Parque das Nações, manifestando-se e chamando “mentiroso” ao novo Zé da
Europa. Imagine-se! Ainda bem que as televisões não lhes passaram muito cartão
e logo foram abafados pela cimeira europeia onde, além dos nossos Zés, pontificou
a nova estrela francesa Sarkozy – o tal que não hesita em chamar “escumalha” a
essa gentinha!
Mas
também por terras de França multidões de ingratos desceram às ruas de Paris e
de dezenas de cidades, cortando a luz do próprio Palácio do Eliseu, em protesto
contra o “novo contrato social”, lá como cá, em nome da flexigurança. E, ainda
por cima, já reclamam um referendo ao novo Tratado Reformador que, como se
sabe, nada tem a ver com a Constituição Europeia, a começar pelo nome… E então
para que serviram os meses de trabalho de bate-chapas da presidência alemã,
brilhantemente concluído pelos nossos Zés da Europa? Deviam era reflectir sobre
o seu grau de imaturidade democrática que os fez chumbar o projecto de
Constituição, em 2005. Da Holanda, esse paraíso das drogas, nem vale a pena falar…
Enfim, paradoxos da Europa e do mundo que bem podia viver em estado de
êxtase se seguisse os bons exemplos, a começar pelos dos nossos Zés e a acabar
no Sr. Bush. Bem, aquilo do Iraque não correu lá muito bem, a Turquia ameaça
entornar o resto do caldo, nos Balcãs a coisa continua feia… Ao menos façam
como o paizinho banqueiro e honrem as dívidas. Ou acham que merecem ganhar mais
de 4 euros à hora e a recibo verde, como alguns que se dizem professores? Finalmente,
temos um Zé com pulso, capaz de meter na ordem os madraços, cá e na Europa. E,
se for preciso, pomos-lhes os telefones sob escuta. Ou julgam-se mais do que o
Procurador? Isto está porreiro, pá!
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