Segundo os dados estatísticos divulgados esta
semana pelo INE (Instituto Nacional de Estatística), a propósito do Dia
Internacional de Erradicação da Pobreza que se comemorou no passado dia 17 de
Outubro, a pobreza não tem parado de aumentar em Portugal e o fosso entre ricos
e pobres é o maior da União Europeia. Pobreza que, no nosso país, resulta, no
essencial, de quatro factores: desemprego, salários baixos, endividamento e
reformas de miséria. Se prestarmos atenção aos números, verificamos que 20% da
população portuguesa vive na miséria e 14% para lá caminha na medida em que o
salário auferido mensalmente já não é suficiente para fazer face às dívidas
contraídas, especialmente as relacionadas com a aquisição de casa própria.
Parte dos reformados recebe menos
de 360 euros por mês, facto que os coloca numa situação de pobreza. Se a estes
juntarmos os que recebem mais do que o montante citado, mas que gastam parte
significativa da sua reforma na farmácia e em taxas moderadoras nos hospitais
públicos, então a conclusão é dramática pois mostra que a generalidade dos
idosos portugueses vive numa situação de miséria. Neste quadro não admira que
mais de 80% da riqueza nacional esteja concentrada somente em 20% da população
e que, segundo dados de 2004, o grupo de portugueses com maior rendimento ganha
sete vezes mais que o contingente dos mais desfavorecidos. A esta realidade não
é estranho nem o aumento do custo de vida, de que a subida do preço do pão (30%
em 2007) é um bom exemplo, nem o aumento do desemprego. Apesar de Sócrates ter
prometido na última campanha eleitoral a criação de 150 mil novos empregos, o
desemprego tem subido em flecha atingindo em 2007 os valores mais altos dos
últimos vinte anos.
Apesar deste quadro de desemprego
e de agravamento da miséria dos portugueses o Governo teima em recusar o
subsídio de desemprego a cerca de 48.000 funcionários públicos o que, segundo o
Tribunal Constitucional, configura uma situação inconstitucional “por omissão”.
Enquanto tudo isto se passa no
tecido social português o Governo preocupa-se com outras questões,
provavelmente no seu entender, mais relevantes para a vida nacional. Refiro-me
a esses actos de gestão de grande sagacidade que são a venda de 15% da REN
(Rede Eléctrica Nacional) na bolsa de valores e a privatização de parte da
empresa pública “Estradas de Portugal”. Segundo estimativas dos economistas
mais conceituados a venda de 15% da REN irá originar uma receita para o Estado
de cerca de 300 milhões de euros. Contudo, esta empresa pública teve em 2006 um
lucro de 552 milhões de euros. Conclusão: O actual Governo prepara-se para
vender uma boa fatia da REN pelo valor do lucro produzido pela empresa em
metade dum ano. Que nome dar a um gestor que praticasse tal acto de gestão no
mundo empresarial? A meu ver só um: incompetente. Que nome dar a uma gestão com
estas características no mundo dos negócios da chamada sociedade civil? A meu
ver só um: gestão danosa.
Para as “Estradas de Portugal” o
objectivo é concessionar aos privados todas as estradas portuguesas até ao ano
de 2099. E para que estes privados possam gerir estas estradas, o Governo irá
pagar-lhes com a verba dum imposto que, entretanto, irá lançar sobre os
portugueses. Espantoso: Como a empresa ou as empresas que ficarão com a
concessão das estradas têm que ter lucro, o Governo irá garantir-lhes esse
lucro através dos pagamentos que irá fazer-lhes, com a agravante desse dinheiro
ser proveniente dum imposto específico, o que configura uma originalidade
portuguesa em matéria financeira. Como se percebe, esta medida não irá alterar
para melhor nada de verdadeiramente significativo em termos da manutenção das
rodovias nacionais. Não acontecerá nada que a empresa “Estradas de Portugal”,
enquanto empresa pública, não pudesse realizar. Se a preocupação é dar uns
milhões de euros do dinheiro de todos nós ao Banco Espírito Santo ou a qualquer
outra empresa, então a coisa podia fazer-se duma forma mais simples. Bastaria
que o Governo inscrevesse no Orçamento de Estado uma verba a ser entregue a uma
ou mais empresas a título de subsídio ou mesada (na mesma lógica da mesada que
os pais costumam entregar aos filhos) e o problema ficava resolvido. Uma
actuação deste tipo até não seria virgem na sociedade portuguesa. Era assim na
monarquia constitucional que os governos alimentavam a família real. Se o
erário público no final do século XIX alimentou o luxo e o fausto da corte de
D. Carlos sob a forma de subsídios inscritos no Orçamento de Estado porque não
fazê-lo agora em relação àqueles 20% de portugueses que possuem 80% da riqueza
nacional? A ser assim, para além da simplicidade de processos, tudo seria mais
transparente e compreensível. Aliás, o povo português compreende perfeitamente
que sem subsídio do Estado dificilmente os donos da banca e das grandes
empresas terão uma vida minimamente decente.
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